O Jornal da Montanha chegou em sua 10ª edição (Dezembro/2012). Pra quem não conhece, é um jornal sério e de qualidade que traz informações e histórias sobre o mundo dos esportes na natureza, sendo distribuído em todo sul do Brasil. Já participei de algumas edições, e nesta, a qual compartilho com vocês, fala sobre nossa viagem a Portugal e Espanha.
Pra quem desejar receber o JM contate: jornaldamontanha@cincotreze.com.br
Depois
do Atlântico
Foto: MMassuqueto
Lisboa, terra de Camões e Fernando
Pessoa, dizem ser a cidade mais bela de Portugal, pudera, o mar azul, a encosta
rochosa, as ruelas estreitas, as fachadas azulejadas, o mosaico dos telhados, a
arquitetura pombalina, neoclássica. O povo, o fado, as roupas secando nas
janelas, os bondinhos elétricos amarelos, as feiras, o castelo da Quinta da
Regaleira, a Boca do Inferno, o Cabo da Roca, as inúmeras praças, o Rio Tejo, o
cheiro de peixe no ar, enfim, apreciamos anos de história em duas semanas. Junto
com velhos amigos que vivem lá, escalamos num setor chamado Fenda, localizado no distrito de
Setúbal. Rocha calcárea formando uma parede incrível, com vias de até 30m de
altura, algumas chorreiras e buracos. Um lugar que permite depois de um dia
quente de escalada, um banho de mar na linda praia do Portinho de Arrábida.
Castelos em Lisboa
Boca do Inferno
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Setor Fenda |
De
Portugal seguimos para Espanha, rumo a Rodellar,
o qual descobrimos estar situado exatamente sobre o meridiano de Greenwich.
Alugamos uma furgoneta Ford Transit para nela morar e viajar, coisa muito comum
por lá. Falar de Rodellar é muito difícil, pois faltam palavras para decifrar
um lugar tão magnífico. Simplesmente é o paraíso dos escaladores. Rodellar tem
mais de 40 setores de escalada, é via “pra mais de metro” (imagina, 40, 60m de via). Vias de todos os
graus e estilos, principalmente “chorreiras”.
Estas incrustações na parede calcárea, dão formas especiais ás vias,
predominando agarras de bolota, pinça e entalamentos diversos. É uma escalada específica,
bem atlética, de manhas, porém muito envolvente. Escalar em Rodellar é escalar a
vista todos os dias e nunca repetir via, é cansar, suar e descer o barranco
para tomar um banho rápido nas frias poças verdes; é escutar todas as línguas
do mundo e conseguir entendê-las, já que a “vibe”
é uma só. Quem não fica em furgonetas ou algo semelhante, há opções de
campings, um hotel e o famoso refúgio Kalandraka. Há alguns bares e
restaurantes (não deixe de provar a lasanha de legumes do Kalandraka!). Alguns
locais abrem somente no verão europeu. Para aqueles que curtem caminhar, o
Sendero de Otín e Las Virgens tem paisagens de encher os olhos, e oportunidade
para conhecer a flora e fauna local.
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Clássica Via Delphin
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Ah Rodellar! - via Bis a Bis/Setor Delphin
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Setor Pequeño Paraíso |
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Pata Negra (8c fr) Foto: MMassuqueto
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Setor Las Ventanas |
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Sendedo de Las Virgens - vias tradicionais
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Depois de um mês neste paraíso,
pegamos a estrada direto a Mallos de
Riglos, situado a 60km de Rodellar, também na província de Huesca. Riglos é
um lugar que impressiona pela beleza e imponência. São paredes enormes, que se
erguem do nada, de formação tipo agulhas as quais chamam de mallos, constituído
de rocha conglomerática, formada por seixos de todos os tamanhos, predominando
vias longas, porém esportivas. A mais conhecida é a Fiesta de los Bícepes. Eu e
Binho escalamos a via Mosquitos, também no Setor La Visera, 280 metros bem
protegidos, mas de muita adrenalina, já que há muitos seixos soltos e alguns
enormes, os quais somos obrigados a abraçar. Não escalamos mais devido ao calor
insuportável (mês de agosto), pois o sol bate o dia todo na parede. Para ficar
há um estacionamento, e um refúgio com bar e restaurante. À noite, a silhueta
escura das paredes envolta as estrelas, é um espetáculo!
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Mallos de Riglos |
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Via Mosquito |
Fugindo um pouco do calor, seguimos rumo
norte da Espanha, e estacionamos no pueblo
de Bielsa, localizada nos Pirineus. Escalamos no setor de Las Devotas, calcáreo,
chorreiras, porém bem quebradiço. Foi nesta região que realizamos a caminhada
mais linda da viagem, Ibón de Marboré,
localizado no Parque Nacional de Ordesa. Marboré é uma trilha de 10km com 1415m
de desnível, que leva a base da mais alta montanha calcárea da Europa: o Monte
Perdido, 3.355m. A caminhada é íngreme e dura, mas a paisagem faz esquecer qualquer dor
nos joelhos. O Ibón, ou lago de Marboré está a 2593m de altitude, e em torno
dele há restos de neve acumulada entre as rochas dobradas dos Pirineus. Paisagem
inesquecível!
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Inicio da "dura" trilha |
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mas sempre vale a pena! |
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Ibon (Lago) de Marbore |
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Monte Perdido |
Terradets foi nossa próxima parada, um lugar de
paredes infinitas. Escalamos um pouco em Les Bruixes, um setor de vias duras onde
predominam pinças feitas de estreitas chorreiras, pero, novamente o calor não permite desfrutar deste setor por muitas horas.
Mesmo com tanto calor, mas sem tempo a
perder, seguimos para um famoso pueblo medieval
incrustado nos abismos de rocha do Parque Natural de Montsant, estou falando de Siurana, o paraíso da escalada
esportiva de dificuldade, onde predominam regletes, bidedos e monodedos, em
paredes levemente inclinadas, e com proteções bem esticadas. Para todo lado que
se olhe há escalada, e a abertura de vias não cessa. No pequeno vilarejo
histórico, que hoje em dia vive do turismo e da produção de vinhos, há bares e restaurantes.
Água é luxo, há apenas uma fonte, mas não é muito boa. Nos arredores de Siurana,
há outros “pueblos”, como Cordunélia, onde tem campings e mais infra-estrutura.
Margalef é outro mega setor vizinho
de Siurana, o qual tentamos adentrar 3 vezes sem sucesso, já que estava
interditado devido a risco de incêndio. Sendo assim, vamos “ter” que voltar um
dia!
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Parede Regina - Terradets |
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Escalada em Siurana |
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Siurana |
Sem dedos, seguimos para Montserrat, lugar impressionante! Sabe
aqueles bonecos redondinhos de neve? Imagine trilhões deles. Montserrat é um
maçico montanhoso em rocha de conglomerado multicolorido, onde se encontra um
monastério cristão. Possui mais de 1500
vias, divididas em esportivas e clássicas de até 7 enfiadas. Para conhecer o
local fizemos uma caminhada iniciando na Igreja Santa Cecília e finalizando no
pico mais alto do maciço, o Sant Jeroni com 1236m. Escalamos uma via de 150m, tranqüila,
e com visual dos deuses!
E já que estamos na Catalunia, é um
dever ir a Barcelona, a cidade mais
global do planeta Terra. Dois dias em Barcelona foi muito pouco para tanto a se
fazer. Mesmo assim, uma caminhada na Rambla, uma visita ao Parque de Güell - obra do famoso artista Gaudí, e
uma olhadela na Sagrada Família, já foi de encher os olhos e o coração.
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Vista do Parque de Güell - bem no fundo a esquerda a Sagrada Família |
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Arquitetura Gaudí - Parque de Güell |
Apaixonados, volvemos aos Pirineus.
Pela indicação de um amigo catalão, fomos para Cavallers, situado no Parque Nacional de Aiguestortes i Estany de
Sant Maurici. E desta vez fez muito frio. Cavallers é uma imensa barragem, que
também é muito frequentado por turistas. Há muitas caminhadas que levam a
abrigos na montanha, e muitos setores de escalada, esportiva e tradicional.
Desta vez, uma rocha diferente, um granito escuro e liso, mas com uma escalada
“fina” como o nosso velho e conhecido granito.
No charmoso pueblo de Torla,
realizamos a trilha de Faja de Pelay,
no Vale de Ordesa. Uma mágica caminhada, que leva a cachoeira de La Cola de Caballo, e volta pela trilha
de mesmo nome, entre um vale em U de imensa beleza. Em Torla, dormimos em um
dos vários campings que existe por lá. Há também muitos restaurantes, bares,
mercados e lojinhas de regalos.
Também nesta região fizemos a trilha de Puerto
de Bujaruelo, um magnífico vasto vale verde, onde o vento frio sopra sem
parar.
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Pueblo de Ainsa - Geoparque dos Pirineus |
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Puerto de Bujaruelo |
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Faja de Pelay - A vinda da trilha é pela faixa ao meio das paredes à esquerda, e a volta pelo vale |
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El Libro - Faja de Pelay |
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Cavallers - e o abrigo 1 |
Tanto o vale de Ordesa em Torla, como
o Vale de Pineta em Bielsa possuem muitas rotas de caminhadas. É muito comum
encontrar pessoas idosas, crianças e famílias caminhando e escalando pelos
Pirineus, e com respeito à natureza, algo que sinto muito falta aqui no Brasil.
Mas, enfim, foi uma viagem incrível, difícil de descrever, de muita paisagem, muita escalada, humildade e aprendizado.
Dias de vida simples, da vida de escalador...
Quero terminar esta história com as
palavras que li no túmulo de Fernando Pessoa, em Lisboa:
Se quiser mais informações, me escreve: limalu6@hotmail.com
Namastê!
Um lugar mais lindo que o outro.
ResponderExcluirCareli
http://aoutraesquerda.blogspot.com.br/
Sempre acompanho diversos blogs de escalada, mas cheguei até o seu procurando informações da espanha, e que surpresa, que lindas fotos e informações, motivador! Obrigada e parabéns :->
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