sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Alguém se importa...



Quero postar aqui o artigo que está no Blog do Du Bois, sobre a Cachoeira do Rio São Jorge, e que achei muito bom.

Du Bois é o apelido de montanhista
de Edson Struminski, engenheiro florestal, mestre em Conservação da Natureza, doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR, e experiente montanhista e escalador desde 1979. É morador do Morro do Anhangava, em Curitiba, mas atualmente reside em Ponta Grossa, como professor do mestrado em Geografia na UEPG.


Livre acesso ao Salto São Jorge, até quando?

Por: Edson Struminski (Du Bois)

1988, a paisagem era a de campos a perder de vista, fundos de vales com florestas na beira de rios, capões de pinheiros. Entremeados com estes campos, florestas e rios, os afloramentos de arenitos da região dos Campos Gerais em Ponta Grossa, aquele vasto e espaçoso ambiente que abria-se nos planaltos interiores do Estado do Paraná.

Conheci esta região juntamente com amigos escaladores. Alguns deles estavam empenhados em “interiorizar” a escalada no Paraná, que estava, então, muito restrita à Serra do Mar, que é uma cadeia de montanhas tipicamente litorânea. Outros preocupados em criar ambientes para competições de escalada, mas longe das montanhas, o que seria um tabu. De modo geral o pessoal estava, naquele momento, buscando novas paisagens, tentando inventar coisas novas, testando as possibilidades de escalar no arenito, experimentando a emoção de caminhar na beira e no interior de alguns cânions que existem nesta região paranaense.

Como eu fazia, de algum modo, parte deste movimento, lembro-me, então, de ter explorado, junto com outros escaladores, a estrada da Faxina, antigo caminho que ligava o primeiro ao segundo planalto paranaense, através da escarpa de São Luis do Purunã e de termos feito uma investida a um local que eu imagino que hoje seja o setor 3 de escalada desta escarpa. Também caminhamos até a igreja do Tamanduá, antiga capela de tropeiros.

Em Ponta Grossa conheci, é claro, os monumentos geológicos mais óbvios do parque de Vila Velha (onde já era proibido escalar, o que foi muito bom para a preservação daqueles monumentos) e também os fundões deste parque, onde também tem muita rocha. Também escalei em uma formação geológica à esquerda de Vila Velha, no sentido de quem vem de Curitiba, chamada de Arco (mesmo nome de um local onde aconteceu um campeonato de escalada na Europa naquele ano). No Arco paranaense é onde inclusive foi feito um primeiro e acho único, campeonato de escalada em arenito (o que também me parece que foi muito bom para a preservação daquela formação geológica).

Próximo de Ponta acabei conhecendo mais duas belíssimas formações que são o Buraco do Padre, uma cachoeira que cai dentro de uma dolina e o Salto São Jorge, outra cachoeira surpreendentemente bonita que dá início a um pequeno canion.

Como estou tendo uma estadia prolongada em Ponta Grossa, estou aproveitando para rever estes lugares que tanto me surpreenderam na minha juventude.

Assim, as mudanças que aconteceram na paisagem, o surgimento da escalada na região e um conflito que está acontecendo agora, exatamente neste momento, serão os temas que irei explorar neste artigo.

Paisagens de sonho

No fim dos anos 1980, a região dos Campos Gerais possuía, nestes pontos que comentei antes, ainda muito desta paisagem idílica de campos, capões e arenitos na forma de platôs altos ou cânions. Pelo menos assim me parecia. Para acessar lugares como Arco ou o salto São Jorge, simplesmente andamos pelos campos, ou florestas, pulando pelas pedras, seguindo rios, sem preocupações em abrir trilhas ou em deixar qualquer marca que sugerisse nossa passagem por ali. Despreocupadamente fizemos uma tirolesa sobre a cachoeira do rio São Jorge. Passeamos no Buraco do Padre. Nada de grampos em Arco e somente boulderes nos confins de Vila Velha. Naquele momento, em que pouco sabíamos sobre escalar em arenito, em que não tínhamos sequer a tecnologia adequada para por proteções fixas, tampouco tínhamos material móvel, ou até mesmo o preparo adequado para este tipo de escalada tão exigente, o melhor que tínhamos a fazer era mesmo apreciar a paisagem, andar um bocado, subir com cuidado as coisas para não quebrar. Foi o que fizemos.

Mas em 1988, um pouco antes ou um pouco depois, começou a acontecer algo imperceptível na paisagem rural em volta destes monumentos e que hoje são sua marca principal, que foi o início das grandes fazendas de soja e, com maior potencial de modificação da paisagem, a implantação dos grandes reflorestamentos de eucaliptos e principalmente pinus, uma árvore norte americana usada maciçamente para produção de papel, casas baratas, revestimento de móveis, etc.

Os reflorestamentos de pinus estão hoje por toda parte, o que é compreensível, pois o consumo de madeira, papel, papelão, etc, é indicador direto do crescimento da economia e, bem, a economia do Brasil vem crescendo a olhos vistos, daí o porquê de cada vez mais pessoas estarem plantando estas árvores e outras espécies em reflorestamentos. Por um lado isto é bom porque poupa as espécies nativas, mas é ruim por questões ambientais. Estes reflorestamentos podem ocupar espaços de ambientes naturais, formarem barreiras para a fauna, espécies como pinus facilmente se tornam invasoras na vizinhança de áreas onde foram plantadas.

Hoje estes reflorestamentos são parte integrante da paisagem dos Campos Gerais, vieram para ficar, penso, pois representam um braço da economia do qual ninguém quer abrir mão. O jeito foi, então, tentar preservar as sobras, o que ficou desta paisagem natural, os grandes monumentos geológicos, como Vila Velha, Buraco do Padre, Salto São Jorge ou naturais como o Capão da Onça.

Salvem o Jorge

A cidade de Ponta Grossa deve estar apontando para os 300 mil habitantes, uma cidade de porte médio, portanto, bastante urbanizada, carente de áreas verdes em meio a um urbano que cresce apressadamente, no ritmo frenético do agronegócio.

É natural que a população, parte dela pelo menos, procure os lugares naturais que ainda apresentam certa qualidade. Em meio ao mar de soja e pinus, o que sobra mesmo são estes monumentos de que falei e que conheci quando a cidade devia ter a metade da população atual: Vila Velha, Buraco, São Jorge, capões e rios que ainda não foram totalmente desmatados ou tomados pelas plantações de soja ou por árvores para papel.

São lugares muito procurados, tanto que para chegar hoje a eles, percebi, é bastante fácil, basta seguir as placas? Não, as latas jogadas pelo caminho e o barulho… Assim como até os anos 1990 a Serra do Mar, em geral, era uma espécie de local para os urbanóides curitibanos extravasarem suas neuroses urbanas, os locais naturais em volta de Ponta Grossa estão cumprindo hoje este papel. Lixo, muito lixo, acampamentos toscos, som alto, barulho de motos, correria com motos, gritaria com motos. Com isto fica fácil seguir a pista até os atrativos turísticos.

Desta forma, a paisagem que encontro hoje em lugares como Buraco do Padre ou Salto São Jorge é realmente estranha para mim, é como voltar no tempo na Serra do Mar antes que montanhistas, ONGs, Estado, tivessem começado a fazer os trabalhos de recuperação, educação ambiental e orientação aos visitantes que todos conhecem. Assim aqueles lugares com paisagem excepcional dos campos gerais se mescla hoje com muitos automóveis e motos, muita gente, muito som alto, muito lixo, muita bebida e pouca natureza, a qual aparenta ser mero cenário de fundo para que as pessoas, o que é muito louvável, saiam da cidade.

Esta aparência de cenário é realçada pela sensação transmitida por estes visitantes de que poderiam estar fazendo suas atividades na cidade mesmo, mas que optaram por estar aqui, nas áreas naturais, porque as regras de conduta, se é que existem, são mais flexíveis.

Já os ambientes freqüentados por escaladores, espeleólogos e alguns poucos caminhantes parecem fugir deste lugar comum. Os setores de escalada que conheci até o momento, aqui em Ponta Grossa, são limpos, seguros, bem cuidados, silenciosos. Existem trabalhos simples de contenção de erosão em trilhas. Os espeleólogos são cheios de dedos na divulgação das cavernas. Mas este grupo é minoria.

A percepção de que a coisa tinha chegado a um nível intolerável não era só minha, pois os escaladores com quem conversei por aqui pareciam que já sabiam que algo estava para acontecer e aconteceu. A exploração turística alienada fez com que a poucos dias atrás o ICMBio autuasse o proprietário da fazenda onde fica o Salto São Jorge por uma série de problemas: construções mal feitas na beira do rio (incluindo banheiros), embalagens de agrotóxicos armazenadas em local inadequado, reflorestamentos plantados em locais inadequados. Claro, tudo isto temperado pela farofagem explícita dos fins de semana, em que o lucro do proprietário está garantido, a diversão também, mas a degradação ambiental, evidente nas trilhas destruídas ou no lixo, corre solta.

Com isto pude perceber, que ao longo dos anos, as partes das paisagens magníficas que sobraram acumularam problemas. A administração de Vila Velha, um parque estadual, saltitou de mão em mão entre orgãos estaduais e a prefeitura de Ponta Grossa e ainda continua enfrentando a invasão de pinus. Em 1997 a prefe de Ponta Grossa decretou como parques lugares como Buraco do Padre, Salto São Jorge e o Capão da Onça, apenas para ver estas áreas serem englobadas em um decreto federal de 2006 (parque nacional), ainda não implantado pelo ICMBio, em uma repetição de uma história conhecida, em que decretos se sobrepõem e muitas vezes desvalorizam o ato legal da proteção da natureza. Houve pouca, ou nenhuma orientação aos proprietários destas áreas naturais sobre os procedimentos adequados para explorar os potenciais turísticos destes lugares, assim, eles simplesmente foram fazendo o que acharam melhor.

Até o momento não houve proibição de visitação no salto São Jorge, mas eu não duvido que este não seja um passo que não esteja sendo considerado pelo ICMBio. Eu já cheguei a alertar alguns dos escaladores daqui, que são organizados em um clube, para a necessidade de mostrar seu diferencial aos orgãos ambientais, para que eles possam manter o livre acesso a uma das melhores áreas de escalada e talvez a mais bonita, em arenito e conglomerado que existe no Paraná. Para isto até já me dispus a ajudar.

Penso que é um momento de um “salve Jorge” e, quem sabe, chamar a cavalaria.


..."somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos..."

Junte-se á cavalaria!


escalando ao lado de cachoeiras

"Salvem Jorge"




Um comentário:

  1. O Sao Jorge faz parte de minha história, qdo me casei passei uma semana de lua de mel acampado lá, fiz escaladas em 1975 com O Bito Meier, denuncie ao IAP e ao na epoca Instituto do Patimonio Historico do Parana (Vitamina)as irregulariedades que estavam acontecendo, medidas foram tomadas , mas nao resultou em efeito positivo. cabe agora a voces da geraçao que me sucedeu a lutar pela conservaçao desse patrimonio natural. Abraços a todos

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